Nos dias dos patriarcas, houve um período de mais de quatro séculos entre o tempo em que
Abraão foi considerado “justo” diante de Deus e o dia em que a lei foi dada a Moisés no Monte
Sinai (Gl 3.6). Durante esses quatro séculos, Abraão e seus descendentes foram declarados
“justos” sem necessidade da lei.
Naquele tempo, os descendentes de Abraão eram declarados justos apenas porque criam na
promessa de Deus, e não porque guardavam a lei, até porque a lei ainda nem tinha sido dada.
Hoje, somos justificados unicamente pela fé, assim como foi Abraão.
A partir desse raciocínio, entendemos que hoje nós estamos vivendo debaixo de uma aliança que
é o cumprimento da aliança de Deus com Abraão. Mas como isso acontece? Como podemos dizer
que somos filhos de Abraão? Paulo diz que precisamos apenas entender que o verdadeiro
herdeiro da promessa feita a Abraão é Jesus Cristo (Gl 3.8).
Gálatas 3.16 diz que a promessa foi feita a “Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos
descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é
Cristo”. E agora que Cristo veio, todos os crentes em Cristo tornam-se verdadeiros filhos de Deus
através de sua fé em Cristo.
Nós nos tornamos filhos de Abraão porque estamos em Cristo. O Senhor Jesus é aquele em
quem se cumpriu a promessa feita a Abraão, e se estamos em Cristo, somos também
participantes da promessa.
Existem três personagens que definem a nossa experiência: Abraão, Moisés e Cristo. O povo de
Israel era escravo no Egito, mas eles foram libertos pela graça por causa da promessa de Deus a
Abraão. Depois, eles são conduzidos a Moisés e experimentam a lei. O alvo da lei era levá-los a
Cristo para que desfrutassem da perfeita graça de Deus.
Essa mesma sequência acontece com todos nós. Todos fomos libertos do Egito pela graça. Mas
depois presumimos que devemos agradar a Deus pela obediência aos mandamentos e assim
somos conduzidos ao deserto. O alvo é chegar a Canaã, que simboliza Cristo. Passar pela lei até
chegarmos ao desfrute da promessa é mais que uma analogia do Velho Testamento, é uma
experiência de todos nós. Todos nós temos de passar pela lei para chegarmos a Cristo, mas não
podemos continuar na lei depois que entendemos a promessa da graça.
Todo crente precisa passar pela lei até atingir uma experiência da promessa da graça. Não há
desfrute da graça sem o conhecimento da lei. Muitos querem entrar na graça, mas nunca sentiram
a condenação da lei, e por isso se tornam cristãos passivos e permissivos. Antes de encontrarmos
a Cristo, é preciso ter um encontro com Moisés. Sem o prévio sofrimento da condenação da lei,
não podemos herdar a promessa de Cristo.
Há algum tempo, eu estava um pouco decepcionado com o nível de consolidação dos novos
convertidos em nossa igreja. Milhares de pessoas se convertem todos os anos em nossa igreja,
mas a menor parte realmente se firma. Posso dizer, sem nenhum orgulho, que somos a igreja que
mais produz desviados que eu conheço.
Uma parte do problema está na maneira como evangelizamos. Percebi que as pessoas têm sido
atraídas para a igreja com uma mensagem de melhoria da qualidade de vida. O evangelho que
pregamos tem sido algo como: “Jesus Cristo vai lhe dar paz, alegria, amor, realização pessoal e
felicidade”. Na verdade, fazemos o que se tornou padrão em nosso tempo. Mas, nos dias dos
apóstolos, os pecadores eram trazidos à salvação porque eram convencidos do pecado.
Gosto de uma ilustração usada por Ray Comfort que explica bem a necessidade de encontrarmos
a lei antes de virmos a Cristo. “Dois homens estão em um avião. Ao primeiro, é dado um
paraquedas e ele é orientado a colocá-lo, pois o equipamento melhoraria a qualidade do seu voo.
Ele fica um tanto cético no início porque não consegue perceber como o fato de usar um
paraquedas em um avião poderia melhorar a qualidade de seu voo. Porém, depois de certo
tempo, decide experimentar para ver se o que lhe havia sido dito era mesmo verdade.
Quando ele coloca o paraquedas, nota o peso sobre seus ombros e descobre que tem dificuldade
para sentar-se direito. Mesmo assim, não o tira de imediato, pois se consola com o fato de lhe ter
sido dito que o paraquedas melhoraria o seu voo. Assim, decide dar um tempinho para ver se a tal
coisa funciona mesmo. Enquanto espera, percebe que alguns dos outros passageiros estão rindo
dele pelo fato de ele estar usando um paraquedas em pleno voo.
Ele começa a se sentir um tanto humilhado. Quando os outros passageiros começam a apontar e
rir dele, ele não aguenta mais. Encolhe-se em sua poltrona e arranca o equipamento, jogando-o
ao chão. Desilusão e amargura preenchem o seu coração, pois, pelo que parece, contaram-lhe
uma grande mentira.
O segundo homem também recebe um paraquedas, mas escutem só o que lhe é dito: ‘Coloque
este paraquedas, pois a qualquer momento você terá que saltar deste avião e nós estamos a
25.000 pés de altura’. Ele fica muito agradecido e coloca logo o paraquedas. Nem percebe o peso
do objeto sobre seus ombros, muito menos se incomoda com o fato de que não consegue sentarse
direito, pois sua mente está consumida pelo pensamento do que aconteceria se saltasse sem o
paraquedas.
Vamos analisar o motivo e o resultado da experiência de cada um dos passageiros. O motivo do
primeiro homem colocar o paraquedas foi apenas para melhorar a qualidade de sua viagem. O
resultado da experiência foi que ele se sentiu envergonhado diante dos outros passageiros, ficou
desiludido e bastante amargurado em relação àqueles que lhe deram o paraquedas.
Possivelmente, nunca mais iria aceitar uma coisa daquelas novamente.
O segundo homem colocou o paraquedas simplesmente para escapar do salto para morte e,
devido ao conhecimento do que aconteceria se saltasse despreparado, ele tem uma profunda
alegria e paz no coração, pois sabe que será salvo de uma morte certa e terrível. Tal
conhecimento dá-lhe a habilidade de suportar o escárnio dos outros passageiros. E sua atitude
em relação a quem lhe ofereceu o paraquedas é de profunda gratidão.”
Essa história simples é uma ilustração daquilo que estamos fazendo quando evangelizamos. O
que normalmente dizemos para as pessoas quando as evangelizamos? “Aceite o Senhor Jesus
Cristo. Ele lhe dará amor, alegria, paz, realização pessoal e felicidade”. Em outras palavras:
“Jesus melhorará a sua viagem”. Dessa maneira, o pecador responde ao apelo de um modo
experimental e “coloca” o Senhor Jesus para ver se a “propaganda” é verdadeira. E o que vem
sobre ele? Tentação, tribulação e perseguição. Os outros passageiros escarnecem dele. O que ele
faz, então? Arranca o Senhor Jesus e lança fora. Ficou desiludido, pois prometeram-lhe paz,
alegria, amor, realização e felicidade, e tudo o que conseguiu foram provações e humilhação.
Então, ele passa a apontar sua amargura em direção àqueles que lhe deram as “boas-novas”.
Seu último estado é pior do que o primeiro: tornou-se mais um desviado inoculado contra o
evangelho.
O que quero dizer é que, em vez de pregar que Jesus melhora a qualidade do voo, nós
deveríamos estar alertando os passageiros que eles terão que pular do avião. Em outras palavras,
precisamos dizer “que está determinado ao homem morrer uma só vez, e que depois disso virá o
julgamento” (Hb 9.27). Então, quando o pecador entender as horríveis consequências por quebrar
a lei de Deus, ele correrá para o Salvador a fim de escapar da ira vindoura.
Para desfrutarmos da graça, precisamos primeiro conhecer a lei, mas depois de conhecermos a
Cristo, não devemos mais viver debaixo do jugo e da condenação de Moisés. Infelizmente, porém,
muitos permanecem em Moisés vivendo numa servidão infeliz e miserável. Que o Senhor nos livre
disso, temos de avançar para a graça. A vida cristã não é um jugo pesado e difícil de suportar. Se
tem sido assim é porque ainda estamos no Velho Testamento e não avançamos para a nova
aliança.
Passar pela lei é uma experiência necessária, mas permanecer nela é loucura. Paulo explica essa
experiência dos crentes usando duas ilustrações em Gálatas 3, a de uma prisão e a de um tutor
muito cruel e severo.
A lei nos trouxe a Cristo
Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de
futuro, haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a
fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos
subordinados ao aio (Gl 3.23-25).
A primeira ilustração de Paulo é que a lei era uma prisão. Os mandamentos de Deus eram uma
prisão que nos mantinha confinados de modo que não podíamos escapar. Antes da vinda de
Cristo, o homem estava aprisionado pela lei ao pecado.
Como a lei fazia isso? Em primeiro lugar, a lei mostra ao homem quais são exatamente as suas
falhas. Em segundo lugar, a lei acusa e condena o homem. E, por fim, a lei claramente se revela
uma prisão, porque ela não tem poder para livrar o homem da condenação por tê-la violado. Ela
mostra que o homem pecou, e por isso o aprisiona na condenação, mas ela não pode libertá-lo.
A segunda ilustração usada por Paulo para descrever a lei é a de um tutor. Em algumas Bíblias,
está a palavra “aio”. A palavra grega usada aqui é paidagogos e significa literalmente “tutor”. Um
tutor era um escravo encarregado de levar as crianças à escola e supervisionar a sua conduta de
um modo geral.
Nos dias de Paulo, um pedagogo era um escravo cujo trabalho era supervisionar as crianças
pequenas. O pedagogo não era realmente um professor, mas alguém que vigiava as crianças e as
punia caso não se comportassem. Ele fazia com que as regras rígidas de disciplina e
comportamento correto fossem praticados. Em outras palavras, Paulo diz que a lei de Moisés foi
uma preparação para Cristo, e os israelitas eram como filhos menores sendo preparados por meio
da lei para receber uma herança.
A lei é a expressão da vontade de Deus. Ela nos revela aquilo que devemos fazer e aquilo que
não devemos fazer. A lei é como a árvore do conhecimento do bem e do mal, por ela, conhecemos
o certo e o errado, mas o resultado é sempre maldição e morte. A maldição vem porque a lei
também estabelece a penalidade para todo pecado cometido. Essas penalidades são maldições e
não temos como nos livrar delas, porque a lei é como uma prisão.
Mas não era a vontade de Deus que vivêssemos debaixo da prisão da lei. A lei foi dada apenas
para que percebêssemos quão maravilhosa é a graça de Deus. Paulo diz que a lei foi dada para
nos prender até que Cristo viesse e nos fizesse filhos de Deus.
Não podemos misturar a lei com a graça
A obra de Cristo na cruz é uma obra completa. O evangelho de Cristo é o evangelho da graça
livre. Precisamos sustentar a verdade de que a salvação é só pela graça, só pela fé, sem mistura
alguma de obras ou méritos humanos. Mas não apenas a salvação, também a santificação é pela
graça de Deus. O cristianismo não é a religião do esforço próprio, recebemos todas as coisas de
graça das mãos de Deus.
Acrescentar a lei à graça é uma completa contradição. Elas não podem conviver juntas. Se
acrescentamos a lei ao evangelho, a graça imediatamente é anulada. A lei são nossas obras
tentando agradar a Deus, mas a graça é a fé de que Deus já está contente conosco por causa da
obra de Cristo. Se é pelas minhas obras, já não é pela de Cristo.
Acrescentar a lei ao evangelho é o mesmo que anular a obra de Cristo. Aquele que diz que
precisa das obras para ser salvo está declarando que a morte de Jesus foi desnecessária e inútil.
Se eu posso me salvar pela minhas obras, então não precisava de Cristo ter vindo morrer para me
salvar. Quem confia na lei está declarando que não precisa de um salvador, e isso é blasfêmia.
Em Gálatas 2.21, Paulo afirma que “se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em
vão”. Em outras palavras, se eu posso me tornar justo pela minha obediência, eu não preciso da
justificação que vem de Cristo. E se eu não preciso da justificação que vem de Cristo, segue-se
que Cristo morreu em vão. Dessa maneira, aquele que chega diante de Deus confiado em sua
justiça própria está declarando que Cristo não precisava ter morrido por ele.
Não podemos edificar a igreja apropriadamente sem a mensagem do evangelho da graça. O
evangelho é o poder de Deus para a salvação do homem. Portanto, sem o evangelho, não temos
a salvação dos homens e assim a igreja desaparece. Mas não apenas isso, a santificação e o
aperfeiçoamento dos crentes é pela graça também. Se inserimos a lei na mensagem do
evangelho, estaremos iniciando no espírito e tentando terminar na carne. Isso traz grande dano
para a casa de Deus.
Ainda hoje, aqueles que pregam o evangelho da graça são acusados de pregar uma mensagem
diluída apenas para atrair as multidões. Dizem que pregamos um evangelho barato. Com relação
a isso, sempre fico indignado, pois jamais preguei um evangelho barato, eu prego um evangelho
de graça. Cobrar algo, mesmo que barato, seria perverter a graça de Deus.
Nem tudo o que reluz é ouro
É preciso dizer que nem tudo que é pregado em nome da graça é realmente o evangelho da
graça. Algumas pessoas usam a graça somente para justificar sua falta de compromisso com
Deus ou sua libertinagem no pecado. Isso definitivamente não é o evangelho da graça pregado
por Paulo.
Como podemos perceber se o que estamos recebendo é realmente o verdadeiro evangelho da
graça? Em primeiro lugar, o evangelho da graça não destaca os esforços humanos ou o
desempenho das pessoas, mas exalta a obra perfeita do Senhor Jesus na Cruz. O verdadeiro
evangelho mostra a nulidade do mérito humano e realça o que Jesus fez na cruz. A lei está
sempre perguntando: “O que eu devo fazer?”. Mas a graça está sempre perguntando: “O que
Jesus fez por mim?”.
Em segundo lugar, precisamos ter cuidado com os pregadores que ensinam o universalismo, ou
seja, a doutrina que todos os homens já estão salvos mesmo se não crerem no Senhor Jesus. É
preciso dizer que tal doutrina procede do inferno, é inspiração direta de Satanás. Nenhum homem
pode ser salvo a não ser por meio da fé na obra do Senhor Jesus Cristo.
Todo aquele que prega o evangelho tal como Paulo pregou será perseguido. Dirão que estamos
apenas tentando agradar as pessoas com uma mensagem fácil e sem compromisso. Não
devemos nos intimidar, pois o poder de Deus é revelado nesse evangelho que realça a obra de
Cristo e destrói todo esforço humano. Enquanto os crentes não entenderem a graça de Deus, eles
continuarão dependendo do seu esforço próprio para guardarem a lei e assim ganharem o favor
de Deus. Mas quando entendemos que já estamos debaixo do favor imerecido de Deus por causa
de Cristo, todo jugo é removido e desfrutamos de uma vida abundante.
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Pr. Aluizio A. Silva
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