O ponto central de todo o propósito de Deus é nos fazer filhos. Esse é o resultado final de todo o processo da criação e da redenção. Deus deseja se colocar a si mesmo dentro dos seus escolhidos a fim de que eles sejam seus filhos parecidos com Ele e cheios da sua vida e glória.
O propósito de Deus não é fazer-nos guardar a lei com seus mandamentos e ordenanças, pois ela foi dada apenas para uma finalidade temporária. O propósito eterno de Deus é fazer de nós seus filhos, herdando a bênção da promessa do Espírito para sermos sua expressão pela eternidade (Hb 2.10; Rm 8.29).
Por causa disso, Ele nos predestinou para sermos filhos (Ef 1.5) e nos regenerou para sermos
filhos com a sua natureza (Jo 1.12,13). Portanto, precisamos permanecer na posição de filhos
para desfrutar da herança. Enquanto estamos enganados e confiamos na justiça da lei, não temos
fé para entrar na posse da promessa, por isso precisamos avançar e viver como filhos gerados em
plena posse da herança.
A servidão na lei
Em Gálatas 4.1, Paulo diz que, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de
escravo, mesmo sendo ele senhor de tudo. Nessa ilustração, nós somos os filhos e herdeiros de
tudo o que pertence a nosso Pai, mas enquanto ainda somos imaturos, ainda nos sujeitamos a
leis e regulamentos com o fim de agradar a Deus. Somos filhos, mas vivemos restringidos como
se fôssemos escravos.
Sob a lei, somos como um herdeiro durante a sua infância. Vamos imaginar um rapaz que é o
herdeiro de uma grande riqueza. Um dia, tudo será dele. Na verdade, já é seu por promessa, mas
não ainda em experiência, pois ele ainda é uma criança. Durante a sua infância, embora seja por
direito o dono de toda a riqueza, ele “é tratado como escravo”. Ele não tem liberdade. É o herdeiro
de fato, mas enquanto ainda é criança, é muito semelhante a um escravo (v. 2). Porque enquanto
é criança, ele está sob tutores que determinam como ele deve agir e usar sua riqueza.
Todos nós passamos por uma fase em nosso crescimento espiritual em que voltamos a nos
sujeitar à lei e ao mérito próprio. Sabemos que fomos salvos pela graça, mas somos seduzidos a
pensar que agora devemos agradar a Deus com as nossas obras. Por causa disso, todo filho de
Deus precisa crescer e experimentar a libertação da lei de forma prática.
Essas fases do crescimento espiritual podem ser vistas na história do povo de Israel quando
passaram pelo Egito, depois pelo deserto e por fim chegaram a Canaã. No Egito, experimentamos
a perfeita graça de Deus e fomos libertos da condenação pelo sangue do Cordeiro. Mas, depois
que chegamos ao Sinai, nós encontramos a lei e, por causa disso, vivemos quarenta anos no
deserto. Mas o alvo de Deus é nos levar a Canaã. Canaã não simboliza o céu, mas a vida cristã
vitoriosa debaixo da graça de Deus.
Paulo também diz que, no tempo da lei no Antigo Testamento, antes de Cristo vir, o povo de Deus
era herdeiro da promessa que Deus fez a Abraão, mas ainda não tinha herdado a promessa.
Eram como crianças durante os anos da infância. A lei para eles foi uma espécie de escravidão.
Infelizmente, muitos filhos ainda não cresceram o suficiente para experimentar a grande herança
que lhes está reservada pela graça de Deus. São filhos, mas ainda vivem como se fossem
escravos debaixo da lei.
Dois tipos de filhos
Precisamos hoje decidir que tipo de filho queremos ser. Em Lucas 15, o Senhor Jesus contou uma
parábola a respeito de um pai que tinha dois filhos. Certo dia, o mais novo disse: “Pai, dá-me a
parte dos bens que me cabe”. Fazendo isso, ele desejou a morte do pai, além de querer se livrar
do trabalho árduo na fazenda da família. Ele foi embora para desfrutar do mundo.
Mas as coisas não funcionaram como ele tinha planejado. Seus prazeres desregrados
rapidamente consumiram todo o dinheiro e ele se viu na miséria. Por fim, ele se tornou um
porqueiro, a pior profissão possível para um judeu, e ali desejava comer da comida que lançavam
aos porcos.
Um dia, enquanto se via desejando a lavagem dos porcos, ele se lembrou de seu pai e de sua
casa. Ele sabia que estaria melhor em casa, mas se perguntava se seria possível voltar. Aquele
jovem tinha um irmão, e cada um deles enfrentava de forma diferente a sua relação com o pai.
Mas o personagem principal é o pai. Deveria ser chamada a parábola do pai incrível.
Que tipo de pai era esse? O filho caçula tinha pedido a herança enquanto ele ainda estava vivo,
demonstrando que desejava a morte do pai. Mas o pai não reagiu, ele dividiu a herança entre os
filhos. Ele sabia que o filho era irresponsável, mas mesmo assim não o censurou. Depois, ele
sabia que o filho tinha perdido tudo, mas mesmo assim não foi resgatá-lo. Ele apenas esperou
que seu filho caísse em si e criasse juízo. Certamente, foi uma espera cheia de ansiedade.
Alguns anos depois, quando o filho voltou para casa, Lucas conta que “vinha ele ainda longe,
quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou”. O pai estivera
esperando pelo filho o tempo todo. No lugar dele, talvez eu dissesse: “Espero que agora você
tenha aprendido a lição!”. Mas o pai apenas o abraçou e beijou.
É provável que o filho pensasse que o pai descarregaria sobre ele toda a sua ira, pois se apressou
a dizer: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Tratame
como a um de seus empregados”. Mas o pai, em vez disso, mandou lhe trazer uma túnica
nova, uma sandália e lhe colocou um anel na mão.
Por fim, ele mandou fazer uma festa. Mas uma festa para o filho que tinha esbanjado a herança
da família? Como era possível? O filho merecia castigo, e não uma festa. Um pai amoroso jamais
teria dado a um filho irresponsável a herança antecipada. Também não ficaria parado vendo seu
filho passar fome. Quase certamente não teria recebido o filho com uma festa. Só podemos
entender a atitude do pai se soubermos que ele queria o crescimento do filho.
O filho não tinha uma relação de afeto com o seu pai. O rapaz o via apenas como um meio de
conseguir seus próprios prazeres. Se o pai se recusasse a entregar a herança, o relacionamento
ficaria ainda mais hostil. O filho tinha que partir para descobrir, pela experiência, quem seu pai
realmente era. Certamente, ele foi completamente surpreendido pela atitude do pai. Naquele dia,
ele teve a noção do quanto era amado e de que nada que fizera tinha alterado esse amor. Foi
preciso que ele chegasse ao fundo do poço para conhecer esse amor.
Aquele jovem vivia como se não fosse amado. Ao pegar a sua herança e dissipá-la numa terra
estrangeira, ele agiu como se não fosse amado. Até mesmo quando começou a jornada de volta
para casa disposto a pedir perdão, ele viveu como se não fosse amado. Ele pediu ao seu pai
misericórdia, mas o pai lhe respondeu com a graça.
Quando já estava em casa com a túnica nova, as sandálias, o anel e a festa, ele se sentiu amado.
Mas sempre o fora. Só nesse momento, ele pôde deixar de viver como se não fosse amado.
Infelizmente, passamos a maior parte de nossa vida como se não fôssemos amados. Quando nos
preocupamos achando que Deus não vai cuidar de nós, agimos como se não fôssemos amados.
Quando nos entregamos à angústia no meio dos problemas, agimos como se não fôssemos
amados. Quando nos esforçamos para alcançar o favor de Deus, agimos como se não fôssemos
amados.
Mas e o outro irmão? Ele está com raiva do pai por ter recebido o irmão desregrado e se recusa a
entrar em casa para festejar. Ele tinha ficado com o pai todos aqueles anos, mas ainda estava
equivocado a respeito do amor do pai. Embora sendo filho, ele vivia como escravo, pensando que
servir o pai era uma tarefa árdua. Ele tentou impressionar o pai com o seu trabalho duro, mas
pensava que não podia desfrutar da riqueza do pai. Um filho rebelde e o outro religioso, nenhum
dos dois conhecia o amor do pai.
Nossa libertação e filiação em Cristo
Em Cristo, nós fomos feitos filhos de Deus e, “porque somos filhos, enviou Deus ao nosso coração
o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). O Espírito do Filho de Deus é o Espírito da
vida, pois João diz que “Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus
não tem a vida” (1 Jo 5.12). Esse Espírito do Filho é também a lei do espírito e da vida
mencionada por Paulo, que tem o poder de nos livrar da escravidão do pecado.
Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte (Rm 8.2).
Ter o Espírito constitui-se na bênção mais importante da nova aliança. Ainda que em nossas
Bíblias a tradução seja “adoção”, nós sabemos que somos realmente filhos gerados. A melhor
tradução seria filiação, ser feito filho.
A filiação é basicamente uma questão de vida, enquanto a adoção aponta para direitos legais.
Mas a vontade de Deus não é apenas nos fazer herdeiros ou nos livrar do inferno, mas nos fazer
participantes da Sua própria natureza. Quando nascemos de novo, nós nascemos para Deus e
recebemos a vida divina.
Uma vez que nascemos do Espírito, nós precisamos d’Ele para crescer no Senhor e na Sua vida.
Se fôssemos apenas adotados, teríamos os direitos e privilégios de filhos, mas não teríamos a
natureza do Pai em nós. No entanto, nós temos essa vida, que é o Espírito que nos leva a crescer
até o ponto de sermos filhos adultos que expressam o caráter e a glória do Pai.
A lei não tem poder de produzir a realidade de filhos. Isso somente pode ser alcançado pelo
Espírito. Nós somos filhos de Deus, mas não apenas filhos distantes, mas filhinhos tão chegados
que o chamam de “Aba”, que é paizinho no hebraico. A relação de filhos com um pai amoroso
nunca pode ser baseada na lei. Um filho não teme que seu pai o abandone porque ele se
comportou mal. Um filho não imagina que precisa fazer algo para que continue sendo filho. Ele
simplesmente sabe que é filho e está plenamente consciente do amor de seu pai. E porque ele
sabe que é amado, ele não teme coisa alguma.
Nossa vida cristã simplesmente se tornará um fardo se não tivermos revelação de que somos
amados. Não temos de comprar o amor do pai com boas obras, Ele já nos ama o máximo que
pode amar. Essa é a graça de Deus, não há nada que possamos fazer para aumentar o amor de
Deus por nós. E, como filhos, podemos ter certeza de que nada que fazemos pode diminuir Seu
amor por nós.
Evidentemente, todo bom filho que se sente amado tentará agradar seu pai. Nós também
queremos agradar a Deus. Não para ser amados, mas porque nos sentimos amados. Esta precisa
ser a motivação para a nossa obra. Sem uma profunda percepção de que somos amados,
inevitavelmente cairemos novamente nas obras da lei e viveremos tentando conseguir o favor do
Pai por nossos méritos.
Não somos mais escravos, mas fomos feitos filhos de Deus. Nos dias de Paulo, o Império
Romano governava sobre todo o mundo. Em toda a história, nunca houve nenhum outro império
que possuísse mais escravos que o Império Romano. Historiadores dizem que até 70% dos
habitantes de Roma eram escravos. Paulo diz que não somos mais escravos, mas somos filhos
que foram adotados.
De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus (Gl 4.7).
Muitas vezes, pensamos que ser adotado é algo ruim, mas conhecendo como funcionava a lei
romana, podemos mudar a nossa mente. Um pai poderia deserdar o seu filho se achasse que ele
o desonrava e poderia também fazer de um dos seus escravos um herdeiro dos seus bens. Para
que isso acontecesse, esse escravo deveria ser adotado. Um filho poderia ser deserdado, perder
a sua herança, mas um escravo que fosse adotado não poderia jamais ser deserdado. Você foi
adotado na casa de Deus e nunca mais poderá perder a sua herança.
O filho da lei e o filho da graça
O Senhor estava a caminho de Jerusalém quando um homem correu até Ele e se ajoelhou no
chão diante d’Ele: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?”. Sua pressa e sua postura
refletiam a angústia daquela pergunta. Sua dúvida parecia sincera e o Senhor, então, lhe pergunta
se ele guardava os mandamentos. O homem respondeu: “A tudo isso tenho obedecido. O que me
falta ainda?” (Lc 18.18-30).
Mas aquela resposta não era verdade. Aquela era uma afirmação impossível. Paulo diz que
ninguém jamais cumpriu toda a lei de Deus e que, se alguém pudesse cumprir a lei, isso
significaria que Jesus teria morrido em vão.
Será que o jovem estava mentindo? É claro que ele realmente não tinha cumprido a lei, mas ele
pensava que sim. Ele tinha criado justificativas para aqueles mandamentos que não conseguia
cumprir e certamente se detinha apenas nas partes da lei que julgava mais importantes como
assassinato, adultério e ignorava o egoísmo, a luxúria e a cobiça.
Mateus diz que Jesus olhou para o jovem e o amou profundamente. O Senhor viu ali um homem
angustiado tentando ganhar o amor e a admiração do Pai. Viu um homem escravo do
perfeccionismo na ilusão de se justificar diante de Deus. Apesar disso, a resposta do Senhor
parece ter sido tão dura: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás
um tesouro no céu; depois, vem e segue-me” (Mt 19.21).
Várias vezes, preguei essa passagem e critiquei a incapacidade do rico de fazer o que Jesus lhe
pedira. Ele amou mais o dinheiro do que a Jesus, eu pensava. Mas por que realmente Jesus disse
isso? Se essa fosse a condição, quem poderia ser salvo? Creio que, se pedíssemos para que os
irmãos vendessem tudo o que têm, certamente teríamos uma igreja bem pequena, se é que
teríamos algum membro.
Ao condenar o homem, nós mostramos completa ignorância da intenção de Jesus. Ele não estava
oferecendo ao homem a chance de comprar a sua salvação. Apenas queria mostrar a sua
completa incapacidade de cumprir a lei.
Quando um treinador quer que um atleta de salto atinja certo nível, ele vai aumentando a altura da
vara gradualmente até chegar ao limite desejado. Mas, se em nosso primeiro treino o treinador
colocasse a vara no ponto mais alto, nós faríamos como aquele jovem rico, iríamos embora
tristes.
O Senhor esperava que o jovem olhasse em Seus olhos e dissesse: “Não posso fazer isso!”.
Então, Ele lhe responderia: “Que bom! Então, pare de tentar merecer a graça de Deus. Pare de
tentar ser merecedor daquilo que você jamais poderá merecer”. O Senhor queria que aquele
homem deixasse de viver debaixo da tirania da lei, a tirania da troca de favores com Deus.
Evidentemente, o Senhor também sabia que aqueles que são ricos têm dificuldade para receber
de graça, porque têm sempre a intenção de pagar pelo que não pode ser comprado. O jovem rico
simboliza aqueles que vivem debaixo da lei do merecimento. Estão sempre com a sensação de
que não fizeram o suficiente.
Dois dias depois, o Senhor entra em Jericó. Ali havia um homem muito rico, de pequena estatura,
chamado Zaqueu, que era coletor de impostos, um tipo de pessoa odiada pelos judeus e visto
como ladrão e explorador (Lc 19.1-10). Esse pequeno homem subiu numa figueira porque
desejava ver Jesus, o Senhor, porém, vendo-o lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, pois me
convém ficar hoje em tua casa” (Lc 19.5). Imediatamente, aquele homem desceu e recebeu o
Senhor e sua casa.
Dessa vez, o Senhor não falou nada sobre guardar os mandamentos, como havia dito ao jovem
rico, mas demonstrou a Sua graça entrando na casa de um pecador. Zaqueu sabia disso e foi
tocado pelo amor do Senhor.
O Senhor não exigiu que Zaqueu vendesse os bens e desse aos pobres, no entanto ele se
levantou e disse: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa
tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais”. O jovem rico não recebeu poder da lei para
obedecer ao Senhor, mas Zaqueu, apenas por conhecer a graça, se dispôs a restituir cinco vezes
mais a quem tivesse defraudado.
Essas duas histórias não estão colocadas juntas por acaso no Evangelho de Lucas. O Espírito
Santo quer no ensinar a diferença entre a lei e a graça e como a graça nos dá poder para fazer a
vontade de Deus. O jovem rico representa os que vivem debaixo da lei, que procuram merecer a
vida eterna e a bênção de Deus pelos seus méritos. Zaqueu, por outro lado, representa aqueles
que sabem que são pecadores, mas que experimentaram a graça de Deus. Não merecem a
bênção de Deus, mas mesmo assim desejam recebê-la.
Podemos fazer um paralelo entre a vida de ambos. O jovem rico tentou usar de bajulação de
palavras para agradar a Jesus; Zaqueu usou sua atitude para chamar a atenção do Senhor. O
jovem rico se achava perfeito; Zaqueu sabia que era pecador. O jovem rico se entristeceu, mas
não desceu do pedestal; enquanto Zaqueu desceu da figueira e recebeu a palavra de Deus com
alegria. O jovem rico não renunciou aos bens materiais, mas Zaqueu espontaneamente disse que
devolveria tudo o que havia roubado e daria a metade dos seus bens aos pobres. O jovem rico
tentou receber a salvação pela lei; enquanto Zaqueu recebeu a salvação pela graça.
O jovem rico mostra que é difícil os que amam as riquezas entrar no reino dos céus, mas Zaqueu
mostra que é possível, verdadeiramente, um rico ter um encontro com Deus e entrar em Seu
reino. O que Jesus disse do jovem rico? “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm
riquezas!” O que Jesus disse a respeito de Zaqueu? “Hoje veio salvação a esta casa, porque
também este é filho de Abraão!”
--
Pr. Aluizio A. Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário